quarta-feira, 18 de junho de 2014

Marcelo no Clube de Pensadores

 
Na sequência das minhas lucubrações sobre a interpretação subjetiva e política que o Tribunal Constitucional faz da constitucionalidade de algumas Leis, ouvi ontem da boca de Marcelo Rebelo de Sousa, num debate que assisti, organizado pelo Clube dos Pensadores, em Gaia, o seguinte: “A apreciação de preceitos constitucionais como o princípio da igualdade é sempre um juízo político e complexo. Nos Estados Unidos, esse preceito não impediu que, durante anos, os não brancos ou as mulheres não tivessem acesso a todos os direitos".
No entanto, é bom recordar que essa interpretação iníqua da Constituição Americana acabou em 1965, há 49 anos atrás, obviamente com uma forte intervenção cívica de parte da sociedade americana. E por cá, o que se passa? Cada um a olhar para o seu próprio umbigo e a interpretar estas questões de acordo com as suas próprias conveniências. É assim, e assim continuará, até um dia!
Segue-se a reportagem do Expresso: "Rui Rio é, segundo Marcelo Rebelo de Sousa, o melhor candidato presidencial da área social democrata. "Eu próprio já lhe disse isso. Ele terá de optar entre ser candidato presidencial ou reservar- se para primeiro-ministro", disse Marcelo ao Expresso, depois de ter sido o protagonista da 82ª sessão do Clube dos Pensadores, em Gaia.
Marcelo considera que Rui Rio está em melhor posição para vencer as presidenciais do que Durão Barroso ou Santana Lopes. Já na área socialista, aponta Guterres como o melhor candidato e não tem dúvidas que ele "quer e avançará".
E sobre uma sua candidatura a Belém? Durante o debate, Marcelo foi várias vezes confrontado com essa hipótese e adotou sempre uma posição prudente. "Não me movo por cargos, mas por causas. Em cada momento da vida devo estar no sítio em que melhor posso fazer render os meus talentos e ocupar os cargos que favoreçam as causas que defendo", reagiu Marcelo. Mas, avisou, que "não me voltam a apanhar  a dizer que nunca ocuparei este ou aquele cargo nem que Cristo desça à terra". Para Marcelo, uma candidatura a Belém "não é uma questão de apetite, nem de amor próprio ou ambição pessoal". Em resumo, "neste momento, é um questão que não povoa a minha mente".
Marcelo considera "sensato e muito inteligente" que o governo tenha sugerido a Cavaco Silva a fiscalização preventiva junto do Tribunal Constitucional (TC) do novo pacote de medidas sacrificando a função pública. O governo " tem de saber as linhas com que se cose". E só depois de saber a posição do TC pode decidir se haverá ou não aumento de impostos.
A presença de Marcelo conduziu a uma enchente (150 pessoas) no fecho deste ciclo do Clube dos Pensadores, apesar da concorrência do Brasil-México. Marcelo ficaria desolado pela intransigência do moderador e promotor da sessão, Joaquim Jorge, em não permitir que o debate se arrastasse durante mais uma ou duas horas, para escoar as perguntas que ficaram por fazer.
Com a sua inesgotável energia, Marcelo replicou na sala de hotel o estilo "das aulas semanais na TVI para um milhão de pessoas" e aceitou vestir vários fatos ao longo da noite.
Marcelo, analista político: "António Costa tem a seu favor uma aura de messianismo que uma boa parte do eleitorado lhe reconhece. Eu acho que essa imagem de Messias é exagerada, mas ele beneficia da carga de simpatia como presidente da Câmara de Lisboa, da assídua presença como comentador televisivo e não se ter desgastado como líder da oposição".
Marcelo, comentador de futebol:" A seleção alemã tem como coluna vertebral a equipa do Bayern que fez uma grande época. Portugal é um somatório de jogadores que, por várias razões, não estão na sua melhor forma. Depois, Portugal sofreu um conjunto de azares e infelizes desencontros que lhe retiraram capacidade competitiva. A nossa equipa é melhor do que o que mostrou e vai ganhar os dois próximos jogos".
Marcelo, constitucionalista:" O governo fez mal em dramatizar a crise, depois foi mais sensato e recuou no confronto com o TC. Esta decisão do TC é mais infeliz do que a anterior e gera um grau elevado de imprevisibilidade nos pressupostos orçamentais do governo. Acabar com o TC e entregar as suas funções ao Supremo Tribunal de Justiça  não é líquido que resolvesse o problema. A apreciação de preceitos constitucionais como o princípio da igualdade é sempre um juízo político e complexo. Nos Estados Unidos, esse preceito não impediu que, durante anos, os não brancos ou as mulheres não tivessem acesso a todos os direitos". 
Marcelo, conselheiro de Estado: "O Presidente da República tem uma visão contida dos seus poderes, tal como sucedera, com exceções pontuais, com Jorge Sampaio e Mário Soares, no primeiro mandato. A leitura que faz é que o governo responde perante o Parlamento e que não tem razões para intervir se esse relacionamento estiver bem resolvido".
 Marcelo anti-regionalista: "O mapa que o governo de Guterres negociou com o PCP era uma confusão, com debates sobre as capitais. Teria efeitos atómicos no país. Fui contra aquela regionalização. Aos 17 anos escrevi um artigo, seduzido pelo caso francês, a defender a regionalização e quando estive no governo andei a fazer campanha pelo país promover o Livro Branco, que propunha as regiões-plano".
Marcelo considera que António José Seguro cometeu um erro fatal ao rejeitar o ano passado  "o presente" de Cavaco Silva de antecipar eleições em troca de um entendimento com os partidos da maioria. E lançou um apelo para que em 2015 os partidos do "arco europeu" possam estabelecer um "consenso mínimo" em torno de pontos essenciais, como o respeito pelo tratado orçamental. O país "não pode correr o risco" de ter um governo que comprometa a estabilidade financeira e perturbe o acesso aos mercados. "Um segundo resgate seria dramático, nem dá para imaginar", acentuou Marcelo. O orçamento para 2016 é o primeiro dos últimos anos com margem criativa nacional e sem os constrangimentos atuais. Por isso, vê vantagens na antecipação para antes do verão das eleições legislativas, separando-as das presidenciais. Mas, tal antecipação só é possível "se a atual maioria estiver de acordo".
Na fase mais intimista da sessão, o professor Marcelo confessou-se "um privilegiado" e enfatizou o papel dos agentes educativos na construção da personalidade. No seu tempo de adolescente ("nunca fui jovem, aos 17 anos já era adulto") a família, escola, igreja e os amigos eram, por esta ordem, os agentes que contavam. A "mudança radical" traduz-se "na quebra dos laços familiares" e na nova hierarquia de valores e protagonistas: internet, televisão, escola e família."