António Nobre (Porto, 16 de Agosto de 1867 - Foz do Douro, 18 de Março de 1900), poeta simbolista, deixou um conjunto de inéditos publicados postumamente, apenas publicou em vida a obra Só.
Passou a sua infância em Trás-os-Montes e no litoral a norte do Porto, incluindo a Póvoa de Varzim, que o marcou pela memória das paisagens e das gentes que conheceu e que se reflecte na obra.
Magnífica interpretação do meu amigo Aurelino Costa do poema Lusitânia no Bairro Latino - 2, da colectânea Só, donde António Nobre dedica alguns dos seus versos ao lendário pescador poveiro.
Lusitânia no Bairro Latino - 2
Georges! anda ver o meu país de Marinheiros
O meu país das Naus, de esquadras e de frotas!
Oh as lanchas dos poveiros
A saírem a barra, entre ondas e gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
À espera de maré,
Que não tarda aí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-o com toda a força,
Clamam todas à uma: «Agôra! agôra! agôra!»
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(Às vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! que lindo!
Içam a vela, quando já têm mar:
Dá-lhes o Vento e todas, à porfia,
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladainha das Lanchas:
Senhora Nagonia!
Olha acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!
Senhora Daguarda!
(Ao leme vai o Mestre Zé da Leonor)
Parece uma gaivota: aponta-lhe a espingarda
O caçador!
Senhora d'ajuda!
Ora pro nobis!
Caluda!
Sêmos probes!
Senhor dos ramos
Istrela do mar!
Cá bamos!
Parecem Nossa Senhora, a andar.
Senhora da Luz!
Parece o Farol...
Maim de Jesus!
É tal e qual ela, se lhe dá o Sol!
Senhor dos Passos!
Sinhora da Ora!
Águias a voar, pelo mar dentro dos espaços
Parecem ermidas caiadas por fora...
Senhor dos Navegantes!
Senhor de Matuzinhos!
Os mestres ainda são os mesmos dantes:
Lá vai o Bernardo da Silva do Mar,
A mailos quatro filhinhos,
Vascos da Gama, que andam a ensaiar...
Senhora dos aflitos!
Martir São Sebastião!
Ouvi os nossos gritos!
Deus nos leve pela mão!
Bamos em paz!
Ó lanchas, Deus vos leve pela mão!
Ide em paz!
Ainda lá vejo o Zé da Clara, os Remelgados,
O Jeques, o Pardal, na Nam te perdes,
E das vagas, aos ritmos cadenciados,
As lanchas vão traçando, à flor das águas verdes,
«As armas e os varões assinalados...»
Lá sai a derradeira!
Ainda agarra as que vão na dianteira,..
Como ela corre! com que força o Vento a impele:
Bamos com Deus!
Lanchas, ide com Deus! ide e voltai com Ele
Por esse mar de Cristo...
Adeus! adeus! adeus!
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