Na
sequência das minhas lucubrações sobre a interpretação subjetiva e política que
o Tribunal Constitucional faz da constitucionalidade de algumas Leis, ouvi
ontem da boca de Marcelo Rebelo de Sousa, num debate que assisti, organizado pelo Clube dos
Pensadores, em Gaia, o seguinte: “A apreciação de preceitos constitucionais como
o princípio da igualdade é sempre um juízo político e complexo. Nos Estados
Unidos, esse preceito não impediu que, durante anos, os não brancos ou as
mulheres não tivessem acesso a todos os direitos".
No
entanto, é bom recordar que essa interpretação iníqua da Constituição Americana
acabou em 1965, há 49 anos atrás, obviamente com uma forte intervenção cívica
de parte da sociedade americana. E por cá, o que se passa? Cada um a olhar para
o seu próprio umbigo e a interpretar estas questões de acordo com as suas
próprias conveniências. É assim, e assim continuará, até um dia!
Segue-se
a reportagem do Expresso: "Rui Rio é, segundo Marcelo Rebelo de Sousa, o
melhor candidato presidencial da área social democrata. "Eu próprio já lhe
disse isso. Ele terá de optar entre ser candidato presidencial ou reservar- se
para primeiro-ministro", disse Marcelo ao Expresso, depois de ter sido o
protagonista da 82ª sessão do Clube dos Pensadores, em Gaia.
Marcelo
considera que Rui Rio está em melhor posição para vencer as presidenciais do
que Durão Barroso ou Santana Lopes. Já na área socialista, aponta Guterres como
o melhor candidato e não tem dúvidas que ele "quer e avançará".
E
sobre uma sua candidatura a Belém? Durante o debate, Marcelo foi várias vezes
confrontado com essa hipótese e adotou sempre uma posição prudente. "Não
me movo por cargos, mas por causas. Em cada momento da vida devo estar no sítio
em que melhor posso fazer render os meus talentos e ocupar os cargos que favoreçam
as causas que defendo", reagiu Marcelo. Mas, avisou, que "não me
voltam a apanhar a dizer que nunca
ocuparei este ou aquele cargo nem que Cristo desça à terra". Para Marcelo,
uma candidatura a Belém "não é uma questão de apetite, nem de amor próprio
ou ambição pessoal". Em resumo, "neste momento, é um questão que não
povoa a minha mente".
Marcelo
considera "sensato e muito inteligente" que o governo tenha sugerido
a Cavaco Silva a fiscalização preventiva junto do Tribunal Constitucional (TC)
do novo pacote de medidas sacrificando a função pública. O governo " tem
de saber as linhas com que se cose". E só depois de saber a posição do TC
pode decidir se haverá ou não aumento de impostos.
A
presença de Marcelo conduziu a uma enchente (150 pessoas) no fecho deste ciclo
do Clube dos Pensadores, apesar da concorrência do Brasil-México. Marcelo
ficaria desolado pela intransigência do moderador e promotor da sessão, Joaquim
Jorge, em não permitir que o debate se arrastasse durante mais uma ou duas
horas, para escoar as perguntas que ficaram por fazer.
Com a
sua inesgotável energia, Marcelo replicou na sala de hotel o estilo "das
aulas semanais na TVI para um milhão de pessoas" e aceitou vestir vários
fatos ao longo da noite.
Marcelo,
analista político: "António Costa tem a seu favor uma aura de messianismo
que uma boa parte do eleitorado lhe reconhece. Eu acho que essa imagem de
Messias é exagerada, mas ele beneficia da carga de simpatia como presidente da
Câmara de Lisboa, da assídua presença como comentador televisivo e não se ter
desgastado como líder da oposição".
Marcelo,
comentador de futebol:" A seleção alemã tem como coluna vertebral a equipa
do Bayern que fez uma grande época. Portugal é um somatório de jogadores que,
por várias razões, não estão na sua melhor forma. Depois, Portugal sofreu um
conjunto de azares e infelizes desencontros que lhe retiraram capacidade
competitiva. A nossa equipa é melhor do que o que mostrou e vai ganhar os dois
próximos jogos".
Marcelo,
constitucionalista:" O governo fez mal em dramatizar a crise, depois foi
mais sensato e recuou no confronto com o TC. Esta decisão do TC é mais infeliz
do que a anterior e gera um grau elevado de imprevisibilidade nos pressupostos
orçamentais do governo. Acabar com o TC e entregar as suas funções ao Supremo
Tribunal de Justiça não é líquido que
resolvesse o problema. A apreciação de preceitos constitucionais como o
princípio da igualdade é sempre um juízo político e complexo. Nos Estados
Unidos, esse preceito não impediu que, durante anos, os não brancos ou as
mulheres não tivessem acesso a todos os direitos".
Marcelo,
conselheiro de Estado: "O Presidente da República tem uma visão contida
dos seus poderes, tal como sucedera, com exceções pontuais, com Jorge Sampaio e
Mário Soares, no primeiro mandato. A leitura que faz é que o governo responde
perante o Parlamento e que não tem razões para intervir se esse relacionamento
estiver bem resolvido".
Marcelo anti-regionalista: "O mapa que o
governo de Guterres negociou com o PCP era uma confusão, com debates sobre as
capitais. Teria efeitos atómicos no país. Fui contra aquela regionalização. Aos
17 anos escrevi um artigo, seduzido pelo caso francês, a defender a
regionalização e quando estive no governo andei a fazer campanha pelo país
promover o Livro Branco, que propunha as regiões-plano".
Marcelo
considera que António José Seguro cometeu um erro fatal ao rejeitar o ano
passado "o presente" de Cavaco
Silva de antecipar eleições em troca de um entendimento com os partidos da
maioria. E lançou um apelo para que em 2015 os partidos do "arco
europeu" possam estabelecer um "consenso mínimo" em torno de
pontos essenciais, como o respeito pelo tratado orçamental. O país "não
pode correr o risco" de ter um governo que comprometa a estabilidade
financeira e perturbe o acesso aos mercados. "Um segundo resgate seria
dramático, nem dá para imaginar", acentuou Marcelo. O orçamento para 2016 é
o primeiro dos últimos anos com margem criativa nacional e sem os
constrangimentos atuais. Por isso, vê vantagens na antecipação para antes do
verão das eleições legislativas, separando-as das presidenciais. Mas, tal
antecipação só é possível "se a atual maioria estiver de acordo".
Na
fase mais intimista da sessão, o professor Marcelo confessou-se "um
privilegiado" e enfatizou o papel dos agentes educativos na construção da
personalidade. No seu tempo de adolescente ("nunca fui jovem, aos 17 anos
já era adulto") a família, escola, igreja e os amigos eram, por esta
ordem, os agentes que contavam. A "mudança radical" traduz-se
"na quebra dos laços familiares" e na nova hierarquia de valores e
protagonistas: internet, televisão, escola e família."